Bulgaridades




Publicado em: O Gaiense, 23 de Fevereiro de 2013

A Comissão Europeia teceu fortes elogios ao governo deste pobre país da periferia da UE pelo sucesso no controlo do défice público, na tentativa de o aproximar dos 3% do PIB, o que foi conseguido sobretudo através de cortes nos salários e pensões. Mas esta política, os sucessivos casos de corrupção e um desencanto generalizado com a elite política, originou enorme descontentamento popular e um crescendo de indignação traduzido em frequentes manifestações e ações de protesto.

O governo de direita, na sua obsessão privatizadora de tudo o que é empresa pública, vendeu a companhia eléctrica nacional a uma empresa estrangeira mas, ironia das ironias, a empresa que a adquiriu é, ela própria, uma empresa pública no seu país de origem. A privatização teve como consequência o aumento dos preços, o que originou mais protestos, inflamados também pelo conhecimento das remunerações escandalosas pagas aos administradores da empresa.

Para tentar acalmar os ânimos, o primeiro ministro demitiu o mais impopular membro do governo, o ministro das Finanças. Mas o povo não abrandou os protestos e, apesar da repressão policial, as manifestações alastraram por várias cidades do país. O governo, compreendendo finalmente que a situação era insustentável, apresentou a demissão e foram convocadas eleições antecipadas.

Esta é uma história real, passada nos últimos dias e nas últimas semanas. Não deixa de ser curioso até que ponto tudo isto nos é tão estranhamente familiar, apesar de se passar no outro extremo da Europa. Agora, os portugueses podem olhar para a Bulgária e fazer como aqueles leitores mais impacientes que não aguentam a curiosidade e, a meio da leitura, dão uma espreitadela a ver o que acontece nos capítulos seguintes.



Orçamento europeu




Publicado em: O Gaiense, 16 de Fevereiro de 2013

O tom generalizado de alívio pela aprovação unânime no Conselho Europeu de uma proposta para o quadro financeiro plurianual da UE para 2014-2020 abafou, no espaço mediático, as críticas ao teor austeritário e anti-europeu do primeiro orçamento de toda a história da UE que seria inferior ao precedente. Mas, talvez mais chocante tenha sido a falta de clareza sobre a verdadeira competência do Conselho nesta matéria. O Tratado diz que "O Conselho delibera por unanimidade, após aprovação do Parlamento Europeu". O problema é que esta aprovação prévia do PE se consubstanciou num documento e num montante diferentes daquilo que o Conselho agora decidiu.

E, se acreditarmos nas inflamadas intervenções dos presidentes dos grupos parlamentares europeus feitas no último plenário, este documento do Conselho e estes novos montantes jamais passarão no Parlamento. Ou seja, a proposta dos governos, apresentada com tão festivo alívio como o consenso salvador, finalmente encontrado, que permitiu afastar as nuvens ameaçadoras do caos que rondavam a União, tem como destino seguro o caixote do lixo. Ou, mais correctamente, a reciclagem, já que será certamente tida em conta na verdadeira negociação que vai agora começar.

Valerá a pena estar atento e ver até que ponto os eurodeputados são capazes de manter a sua palavra e de resistir às pressões dos seus próprios governos.


Sonhos da burguesia europeia


Publicado em: O Gaiense, 9 de Fevereiro de 2013

Uma delegação do Conselho Internacional de Trabalhadores Portuários veio a Estrasburgo alertar os eurodeputados para uma terceira tentativa da Comissão para desregular o sector dos portos. Falaram de Portugal, das medidas do governo e da resistência exemplar dos nossos "dockers". Mas relataram com especial detalhe a situação que se vive no estratégico e histórico porto do Pireu, perto de Atenas, desde que dois dos três terminais de contentores foram concessionados à empresa estatal chinesa China Ocean Shipping Company, permitindo-lhe exonerações sociais e isenções fiscais que não são aplicadas sequer no terminal um, ainda gerido pelo Estado grego, provocando grosseira distorção da concorrência dentro do mesmo porto. À boa maneira chinesa, ali não há acordos colectivos, os sindicatos não entram, os horários aumentam, as equipas são mais reduzidas para as mesmas tarefas, mão-de-obra barata e sem formação profissional é preferida.

Lado a lado, no Pireu, sob o olhar atento da troika, há dois modelos sociais em concorrência. O modelo chinês é o sonho da direita e dos empresários gregos, como de muitos dos seus congéneres europeus: poder, finalmente, produzir na Europa ao preço da China, voltar a ter perto de casa todas as vantagens de que gozam hoje as suas fábricas deslocalizadas para o outro lado do mundo. Reindustrializar a Europa, mas de forma "competitiva". Eis um grande desígnio da burguesia europeia.

Precisa é de alterar o sistema político em conformidade, que isto de haver governos e parlamentos eleitos, sempre dependentes da instabilidade do voto popular, haver direitos sociais e liberdades é altamente nocivo para o ambiente dos grandes negócios. Por isso os primeiros ensaios do actual modelo neoliberal foram feitos no Chile de Pinochet. Mas a solução chinesa está a mostrar-se bastante mais eficaz e duradoura.

Retrato de uma Europa no caminho errado






Publicado em: O Gaiense

Após cinco anos de crise, a pobreza e o desemprego na UE (19 milhões de desempregados registados) são os mais elevados dos últimos 20 anos. Num longo estudo de 469 páginas feito pela Comissão Europeia, reconhece-se que a crise está a agravar as diferenças entre Estados-Membros e dentro dos Estados-Membros.

Constata-se ainda que a uma maior despesa com o chamado Estado social não corresponde uma maior dívida pública. O estudo mostra como uma proteção social forte e condições laborais razoáveis melhoram substancialmente os índices de pobreza. Pelo contrário, a redução dos direitos sociais de milhões de europeus está a aprofundar o fosso entre ricos e pobres. O relatório mostra que foi nos países onde há um salário mínimo mais elevado que os trabalhadores não especializados sofreram menos despedimentos.

"A maioria dos sistemas de proteção social estão a perder a sua capacidade de proteger as famílias dos efeitos da crise. Sem um investimento social imediato, assistiremos a um declínio do nosso potencial económico e a muito maiores custos sociais" - disse o Comissário responsável pelo estudo, o húngaro László Andor.

Outro estudo, realizado por um banco, mostra que um em cada três europeus não tem qualquer tipo de poupança. Dos outros, os que conseguiram amealhar algum dinheiro, cerca de metade (em Espanha e em Itália, por exemplo) está a usar as poupanças para sobreviver aos cortes e à austeridade. Mas muitos afirmam que as poupanças não lhes darão para levar a sua vida normal mais de três meses.

Os europeus precisam urgentemente de mudar de vida. Para isso, não poderão continuar a trilhar o mesmo caminho que os conduziu até aqui.

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Pode aceder ao estudo da Comissão (em inglês) aqui.