O berço e o túmulo



Publicado em: O Gaiense, 18 de Junho de 2011
A situação na Grécia está cada vez mais preocupante, agravando-se continuamente com as hesitações dos ministros da zona euro e com a aplicação de cada medida do plano da troika. Podíamos emocionar-nos especialmente com os problemas da Grécia por se tratar do berço da actual civilização europeia, e com os perigos que ameaçam a sua economia e a sua democracia, quando é a eles que devemos as próprias palavras economia e democracia.
Mas há, infelizmente, razões mais prosaicas para olharmos com atenção para o que se passa na Grécia. É que podemos muito bem estar a ter o raro privilégio de ver projectado nos ecrãs da televisão o nosso futuro, acedendo a essa velha aspiração tão humana de conhecer o futuro, que tem alimentado religiões e sobretudo cartomantes, bruxos e outros videntes de feira. Eu sei que os políticos e comentadores mais responsáveis nos demonstram por a+b, com a sua inquestionável sabedoria económica, que a situação em Portugal é muito diferente da Grécia e portanto que não iremos pelo mesmo caminho. O que me preocupa é que os mesmos opinadores, com a mesma sabedoria, nos garantiram há escassos meses que essas diferenças justificavam que a Grécia tivesse pedido ajuda à troika e nós não precisássemos de o fazer.
Hoje a Grécia vive na crise e no caos — duas palavras gregas também — e está mais próxima de se tornar no túmulo do projecto europeu tal como foi sonhado há umas décadas. Mas haja esperança, porque nestas matérias é absolutamente seguro que há uma vida além-túmulo. Pode ser pior do que a actual, é certo, mas também pode ser a passagem para uma vida melhor, há que dizê-lo para que o pessimismo não domine por completo esta crónica — curiosamente outra palavra que devemos aos gregos.

Um suave milagre



Publicado em: O Gaiense, 11 de Junho de 2011

Os portugueses votaram e decidiram aderir à terapia de choque proposta pela troika para fazer face à dívida do país. Justamente agora que começa a ser reconhecido por todos na Europa que a Grécia ficou mais doente após ter sido submetida a tratamento semelhante pela mesma troika e que têm hoje ainda menos condições do que antes para pagar a sua dívida.
A novidade é que agora foi o ministro das Finanças da Alemanha que veio propor aos ministros da zona euro e ao BCE que o prazo de vencimento das obrigações gregas seja aumentado em sete anos, considerando que só esta reestruturação da dívida pode dar tempo à Grécia para recuperar a economia, sem o que nunca poderá pagar a sua dívida.
Na UE está a ser discutido um segundo financiamento de 60 a 70 mil milhões de euros, pois é já claro que a Grécia não vai conseguir financiar-se nos mercados em 2012, como estava previsto no memorando que acompanhou o primeiro empréstimo.
Por cá, parece que nada disto nos afecta. Alimenta-se a ilusão de que uma economia com mais recessão (como está previsto nas projecções oficiais) poderá ser capaz de pagar uma dívida 78 mil milhões de euros superior à que tínhamos antes. Não será preciso ser um génio da economia para chegar à mesma conclusão a que chegou o ministro alemão: se a economia não cresce, não se geram os fundos necessários para pagar a dívida, se não se renegoceiam os prazos e os juros da dívida, a economia não cresce.
Mas talvez as leis da economia não se apliquem a Portugal, esta terra sagrada que acredita no milagre da multiplicação dos pães ou, se até isso desgraçadamente nos falhar, no regresso de Dom Sebastião para salvar o país da miséria anunciada.

Elections in Portugal - final results

There will be a right wing overall majority to support a new government lead by PPD-PSD and integrating the CDS-PP.

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Parties and coalitions with parliamentary representation
Total MPs in Portuguese Parliament: 230
Absolute majority: 116


2011 (2009)
Abstention  41,93%  (40,26%)
White votes  2,66%  (1,74%)
Null votes  1,43%  (1,37%)
Party or coalition
European affiliation
% 2011 (2009)
MPs 2011 (2009)
BE - Bloco de Esquerda
European Left + GUE/NGL + European anticapitalist left
5,17% (9,82%)
MPs 8 (16)
CDU - Coligação Democrática Unitária
Partido Comunista Português + Os Verdes
GUE/NGL + European Green Party
7,91% (7,86%)
MPs 16 (15)
PS - Partido Socialista
Party of European Socialists
28,06% (36,55%)
MPs 74 (97)
PPD/PSD - Partido Social Democrata
European People’s Party
38,65% (29,11%)
MPs 108 (81)
CDS-PP - Partido Popular
European People’s Party
11,70% (10,43%)
MPs 24 (21)

O reflexo e a reflexão



Publicado em: O Gaiense, 4 de Junho de 2011

A que propósito os nossos legisladores instituíram a véspera de eleições como dia de reflexão, se praticamente ninguém dedica estes pacatos sábados a refletir sobre o que vai fazer no domingo? Mas talvez eles tenham feito bem, apesar de tudo. Reflitamos um pouco.

Quando as coisas correm mal no país, é por vezes difícil encontrar quem assuma ter votado nos vencedores. Mas, se ganharam, foi porque muita gente votou neles. Podemos ocultar ou mentir sobre o nosso voto perante toda a gente, mas há alguém que sabe qual foi a nossa decisão e nos cobra pesadamente: é aquela pessoa que em cada manhã se cruza connosco do outro lado do espelho (esse impiedoso instrumento de reflexão), que nos interpela olhos nos olhos e não deixa de nos atormentar quando entende que temos uma quota parte de culpa pelos males que vivemos. A esse cruel juiz ninguém consegue escapar.

Quando, depois do dia 5, estivermos a viver as consequências concretas da nossa escolha coletiva, teremos de enfrentar aquela cara a olhar para nós todos os dias. Pode ter uma expressão de orgulho e aprovação, ou então de arrependimento, ou até mesmo de raiva e condenação. Mas será tarde para mudar. Durante quatro longos anos teremos de conviver com ela. 

No sábado de reflexão, seria porventura essa a pessoa que deveríamos consultar, aproveitando para nos questionarmos sem pressa, frente ao espelho da nossa consciência, sobre o que vamos fazer no dia seguinte. Para podermos assumir intimamente e por inteiro a nossa escolha e conseguirmos depois viver em paz connosco.

O ofício de eleitor



Publicado em: O Gaiense, 28 de Maio de 2011
Uma das vantagens de fazermos estas eleições com o programa da troika em cima da mesa é que, desta vez, ninguém se pode queixar de que foi enganado, que lhe prometeram não aumentar impostos e criar empregos e depois o que lhe saiu foi o aumento dos impostos e do desemprego. Honra seja feita à troika, as medidas drásticas estão escritas e as previsões de aumento do desemprego e de recessão económica já foram apresentadas. Agora, a escolha é nossa.
Permitam-me lembrar um caso do passado. Hoje, todos lamentam a situação da agricultura e das pescas. Era inevitável, em resultado da nossa integração europeia? Não era. Basta olharmos para a agricultura noutros países, basta olharmos para a pujança do sector pesqueiro na Galiza, que entrou na UE ao mesmo tempo que nós, sujeita às mesmas leis, para percebermos que a destruição do nosso mundo rural e piscatório foi uma opção política nacional. Ainda me lembro dos debates eleitorais realizados sobre a matéria há mais de vinte anos, dos avisos e das propostas alternativas. A desgraçada situação actual é fruto das escolhas então feitas pelos eleitores. Ironicamente, os próprios agricultores e pescadores votaram massivamente nas políticas que destruíram a sua actividade.
Daqui a uns anos, se olharmos para a nossa economia e ela estiver no estado em que estão hoje a agricultura e as pescas, talvez muitos lamentem com amargura terem dado, no longínquo ano de 2011, o seu aval maioritário para que isso fosse possível.
É verdade que são os políticos que propõem as alternativas, mas são os eleitores que escolhem; são eles, em última instância, os responsáveis pelo que acontecer ao nosso país. Ser eleitor é um ofício exigente e a forma como o exercemos tem sempre muito sérias consequências.