Os guardas do sarkófago dos direitos humanos



Publicado em: O Gaiense, 25 de Setembro de 2010

Nas televisões francesas continuam intensos os debates sobre a política xenófoba do governo Sarkozy. Aos que tinham condenado as acções contra os ciganos por serem discriminatórias, violarem o princípio de igualdade perante a lei e os direitos humanos, vêm juntar-se agora outros sectores, pouco preocupados com os ciganos, mas incomodados com o prejuízo que estes acontecimentos estão a causar à imagem internacional da França, que gostam de apresentar (arrogantemente, às vezes) como a pátria dos Direitos do Homem. É-lhes insuportável ver o seu país criticado por todo o lado por violação desses direitos. Por todo o lado menos por um: a nossa Assembleia da República. Um estranho caso que dá muito que pensar.

Em Estrasburgo, por proposta dos grupos socialista, liberal, esquerda europeia e dos verdes, o Parlamento Europeu manifestou "a sua viva apreensão face às medidas tomadas pelas autoridades francesas que visam os ciganos" e "a sua profunda preocupação com a retórica inflamada e abertamente discriminatória que tem marcado o discurso político ao longo dos repatriamentos".


Poucos dias depois, os deputados do PS no parlamento português recebem "ordens de cima" para rejeitarem um voto semelhante. As ordens provocam sonora indignação em vários socialistas, surda indignação nos demais, mas quase todos obedeceram. Logo a seguir, a Assembleia dos Açores, mandando às urtigas as "ordens de cima", aprovou um voto semelhante. Valha-nos ao menos um pouco de anticiclone para refrescar o ar viciado da capital.

Mas talvez nos deva causar ainda mais horror do que as próprias "ordens de cima" o facto de os "de baixo" lhes terem obedecido. Somos um país de gente habituada a obedecer, gente resignada que aceita mesmo quando não concorda. Desta vez foram deputados (é ainda mais vergonhoso), mas este é um velho vício nacional, uma forma de estar que é responsável pelos nossos períodos de decadência.

Tem havido excepções, momentos da história em que resolvemos desobedecer, sacudimos o pó das nossas mentes e nos revoltamos. Nesses momentos, o país avançou e o mundo olhou para nós com admiração. Mas depois passaram a ser apenas mais um feriado no calendário. E voltamos a aceitar todas as desgraças como se fossem inevitáveis.

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