Pelo menos em Agosto



Se durante todo o ano sentes que a tua vida é demasiado prosaica e fria,
aproveita para dar-lhe alguma poesia pelo menos neste mês de calma e maresia.

Uma sugestão: o livro “Na direcção do olhar” de Eduardo Valdrez, acabado de publicar pela editora Lugar da Palavra, onde se concentram, em 69 páginas, quarenta anos de vida.

Aqui fica um dos poemas, para aguçar o apetite:

MÃOS

Vão as minhas mãos com calma
fazendo quase tudo sem olhar
porque os meus olhos estão ocupados a procurar
o fundo da tua alma.

A OMC na guerra Airbus-Boeing


Publicado em: O Gaiense, 24 de Julho de 2010
Os dois gigantes da produção de aviões – a europeia Airbus e a norte-americana Boeing – continuam a sua guerra pelos mercados mundiais. Armas favoritas para estas batalhas são as participações à Organização Mundial do Comércio (OMC) em que uma parte se queixa de que a outra terá recebido apoios públicos que distorcem as regras da livre concorrência. Como se o mercado fosse livre e o mundo da aviação não estivesse dominado há anos por este duopólio, fortemente apoiado pelos respectivos Estados, e que dificilmente um novo concorrente poderá quebrar.
Uma queixa da Boeing feita em 2004 acerca dos apoios ao projecto do A380, obteve agora, a 30 de Junho, uma resposta da OMC com mais de 1000 páginas, onde ambos os contendores poderão certamente encontrar alguns parágrafos interpretáveis a seu favor. Esta semana, a União Europeia entregou a sua contestação. O caso vai arrastar-se. Há ainda outra queixa simétrica da Airbus contra subsídios dos EUA à Boeing que aguarda decisão a todo o momento.

Depois de muitos anos de domínio da Boeing, a Airbus tornou-se líder de mercado em 2003. A Boeing argumenta que isso só aconteceu porque a Airbus recebeu apoios de alguns Estados europeus em violação das normas da OMC. Segundo estas regras, que os próprios governos aprovaram, os Estados não poderiam ter uma política soberana de investimento ou apoio a uma indústria estratégica como a aeronáutica.
Mas a verdade é que nem os EUA nem a UE praticam internamente os estritos princípios liberalizadores com que, através da OMC, tentam obrigar os países em desenvolvimento a abrir os seus mercados e os seus contratos de fornecimento público às empresas europeias e americanas, proibindo-os de apoiar as suas próprias indústrias nacionais.
Um dos truques utilizados dos dois lados do Atlântico é o argumento de que a sua indústria aeronáutica, nomeadamente a investigação e o desenvolvimento de novos modelos, tem uma componente de interesse militar que pode ser subsidiada, já que o mercado de equipamentos e serviços militares não está sujeito às regras do comércio livre da OMC (o Jumbo 747 foi concebido como transporte militar). No elevado mundo dos grandes negócios, onde há interesses, não cabem princípios.

Europeus preparam acção concertada contra a política da crise


Publicado em: O Gaiense, 17 de Julho de 2010

Esta semana reuniu em Bruxelas o Conselho de Presidentes do partido da Esquerda Europeia, que realçou a necessidade de empenhamento global na grande jornada europeia de protesto em defesa dos sistemas de Segurança Social, do emprego e contra o ataque aos salários, convocada pela Confederação Europeia de Sindicatos para o dia 29 de Setembro, e que já teve em Portugal o apoio da CGTP.

A Esquerda Europeia sublinha que a crise, apesar de ser económica e financeira, só poderá ter uma saída política, e afirma todo o seu empenho nesta luta enquanto partido europeu, já que são as actuais decisões políticas europeias e nacionais que estão a bloquear uma saída da crise favorável às populações. A cooperação entre partidos, sindicatos e os diferentes tipos de movimentos sociais é uma condição indispensável para uma resposta eficaz aos problemas que hoje enfrentam os povos da Europa.

O papel dos partidos europeus tenderá assim a acentuar-se. Se se considera que não há democracia sem partidos, então poderá também afirmar-se que não haverá democracia europeia sem partidos europeus. Esta é uma questão nova, sem dúvida, mas, da direita à esquerda, os partidos europeus vão-se consolidando e ganhando um papel crescente no xadrez político do continente. Apesar de serem apoiados institucional e financeiramente pela União Europeia, os partidos europeus podem assumir um carácter continental, estendendo-se para além das fronteiras da União.

É o caso do partido da Esquerda Europeia, essencialmente um partido de partidos (embora algumas adesões individuais sejam também aceites), que é constituído hoje por 25 membros efectivos e por 10 partidos observadores, que se estende de Portugal à Bielorrússia, da Finlândia até à Turquia. As naturais diferenças existentes entre partidos com histórias tão diferentes ficam em segundo plano face ao reconhecimento de que os problemas sentidos pelos diferentes povos são muito semelhantes, de que têm uma origem comum e um mesmo adversário cuja actuação global a todos afecta.

A presidência belga



Publicado em: O Gaiense, 10 de Julho de 2010

No Conselho da União Europeia começou mais uma presidência rotativa semestral. Agora é a vez da Bélgica.
A equipa governativa belga que vai conduzir os trabalhos do Conselho está, contudo, numa situação um pouco sui generis. A Bélgica acabou de sair de um processo eleitoral e ainda não foi constituído o novo governo. O partido democrata-cristão flamengo do primeiro-ministro Yves Leterme ficou em quarto lugar. E é de cima desse quarto lugar que ele hoje fala aos povos e às instituições da União sobre as prioridades da sua presidência.
Esta presidência compete, portanto, a um governo que apenas se pode ocupar da gestão de assuntos correntes. O problema é que um desses "assuntos correntes" é a condução, durante seis meses, de um dos mais importantes órgãos da UE. As respostas à crise e algumas das medidas que vão ser tomadas até ao final do ano não são propriamente "assuntos correntes".
Apesar da urgência europeia, constituir um governo num país com um tão complicado puzzle político, regional e linguístico nunca é tarefa fácil. O líder do partido nacionalista de direita flamengo que ganhou as eleições já confirmou que não aspira a ser primeiro-ministro, cargo que poderá vir a ser confiado ao líder do partido socialista da Valónia, o segundo partido mais votado, mas pertencente à família política com mais deputados. Formará governo apenas se conseguir constituir uma coligação suficientemente vasta dos dois lados da fronteira linguística. Há, pois, que aguardar.
De qualquer modo, os belgas têm a vida algo facilitada. Em primeiro lugar, porque são a única das vinte e sete presidências rotativas que joga em casa neste torneio. São fundadores do projecto europeu com longa experiência nestes meandros complexos. Acresce que o segundo semestre começa em cima das férias de Verão e acaba nas mini-férias de Natal e fim de ano, restando muito menos tempo útil do que nas presidências do primeiro semestre. Para além disso, o Conselho Europeu, onde têm assento os chefes de governo (nomeadamente o primeiro-ministro belga Yves Leterme) tem agora, com o Tratado de Lisboa, uma presidência fixa: já não é presidido pelo país que exerce a presidência rotativa. Acontece que o presidente fixo é precisamente o ex-primeiro-ministro belga que, ao assumir este cargo europeu, deixou o governo do seu país entregue a Leterme. Os belgas ocupam, portanto, duas cadeiras. Pode parecer complexo, mas os belgas convivem com a complexidade há muitas décadas.
De qualquer modo, quem manda é a Alemanha. Logo, business as usual é o que se pode esperar.

As "golden shares" e a União Europeia


Publicado em: O Gaiense

O governo utilizou a sua "golden share" ou direito especial de voto na PT para impedir um negócio que considerou ser prejudicial para os interesses de uma empresa estratégica para o país. A Telefónica falou ao coração da grande maioria dos accionistas privados para quem, segundo os próprios, tudo se vende, menos a honra. Para os investidores privados, seduzidos pelo rendimento a curto prazo, vender a Vivo aos espanhóis parece ser uma boa opção. Para a PT seria um enorme recuo. E é nesta contradição que se situa o cerne do problema: se uma empresa é estratégica para o país, se tem de ser gerida segundo esse interesse estratégico, nunca deveria ter sido vendida ao capital privado, cuja lógica e interesses são, natural e legitimamente, muito diferentes do interesse público. Para defender o interesse público, há muitas coisas mais, para além a honra, que não podem estar à venda.




As golden shares são a salvaguarda para a afirmação, em última instância, do interesse nacional, tal como os Governos o interpretem em cada caso. Mas a própria existência desta última salvaguarda está sob ataque do capital privado, que tenta valer-se da ajuda preciosa dos fundamentalistas do mercado na União Europeia. Se, a pedido da Comissão Barroso, o Tribunal Europeu vier a declarar ilegal a detenção de golden shares pelos governos, ficará claro que, em todas as empresas que sejam consideradas estratégicas para os países (nos sectores das comunicações, energia, transportes, defesa, etc.), a única solução passará a ser o capital social voltar para as mãos dos Estados. O capital privado, nacional ou estrangeiro, não tem pátria; não é sua vocação, nem sua obrigação, preocupar-se com o interesse nacional. Isso compete aos poderes públicos.

Lamentável (e muito significativo) é que instituições da União Europeia, que é uma união de povos e de Estados, se possam comportar como uma agência ao serviço de interesses privados contra os Estados e os povos que são supostas defender e representar. Os mais de 15 000 lobistas instalados em Bruxelas têm feito muito bem o seu trabalho.