Barroso amigo, Sócrates está contigo

Publicado em: Opinião / Esquerda.net em 25 de Novembro de 2008

O governo português já tornou público, através do ministro Luís Amado, o seu apoio à recondução de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, em resposta às críticas que foram dirigidas ao seu mandato por parte de diversos políticos europeus.

Mantém-se, assim, uma regra de ouro da política europeia: o consenso que garante a "governabilidade". Consenso sobretudo entre as duas grandes famílias políticas do Partido Popular Europeu (onde está o PSD e o PP) e do Partido Socialista Europeu (onde está o PS). Todos se lembram da elegância com que o então primeiro-ministro Durão Barroso sempre reafirmou o seu apoio à eventual candidatura de António Vitorino para o cargo. Agora se confirma: amor com amor se paga.

Esta política europeia do consenso é uma política antiga na UE. Os "pais fundadores" do projecto europeu tentaram construir instituições pouco contaminadas pelo debate político e ideológico. O que se pode entender: os seis países fundadores acabavam de sair dos dois lados de uma guerra total, com invasões cruéis e milhões de mortos. A politização das decisões e das reuniões seria provavelmente explosiva e revelar-se-ia fatal para os periclitantes primeiros passos de uma caminhada conjunta que se pretendia de longo prazo.

Também em Portugal, desde os primórdios da adesão, se tratou de apresentar a Europa como um desígnio nacional, uma opção consensual que deveria unir as várias famílias políticas e não ser objecto de disputa directa. Assim se tem mantido até hoje. As recentes declarações de apoio são uma decorrência natural dessa estratégia.

Porém, esta política europeia do consenso ao centro, que hoje não tem qualquer razão histórica ou institucional para ser mantida, tem repercussões negativas mais fortes do que à primeira vista pode parecer.

Ela gera a falta de um verdadeiro debate público sobre as políticas concretas da UE, que tendem a ser apresentadas como soluções técnicas e neutras ou então, se claramente políticas, como inevitáveis e sem alternativa razoável. Assim, o que será preciso fazer, segundo os planos da Comissão e do Conselho, é apenas dar mais informação, fazer uma melhor propaganda da bondade da UE.

Uma das consequências desta visão preversa é o crescente afastamento das populações face à questão europeia e o desinteresse pelas eleições europeias. Quando se vota nas eleições legislativas nacionais, as populações percebem que do seu voto resulta uma mudança ou a manutenção do governo e alimentam mesmo esperanças (geralmente frustadas) de eventuais mudanças de políticas. Mas, quando votam para as eleições europeias, os eleitores não percebem qual é a influência do seu voto na política e nas caras da União. A Comissão irá continuar a ser presidida por Barroso, o Conselho continuará as suas presidências rotativas (ou passará a ter um presidente), as políticas serão provavelmente inalteradas. O eleitor tem fundadas razões para não entender para que serviu realmente o seu voto.

O mesmo não aconteceu nos referendos, que foram geralmente vivos e participados. Os franceses e holandeses sabem que é devido ao seu voto que (felizmente) não estamos submetidos à Constituição de Giscard e os irlandeses sabem que foi o seu voto que travou, pelo menos para já, o Tratado de Lisboa. Por os referendos terem politizado a questão europeia e por a terem submetido à força da democracia, ficaram debaixo de fogo dos profissionais do negócio do consenso. E as consultas populares foram retiradas imediatamente da cena política europeia.

Ora, a existência de uma relação visível entre o voto popular e a sua consequência política e institucional é absolutamente essencial para a democracia, um sistema que precisa de alternativas claras, que fomentem debates sérios e decisões conscientes. É isto que está em falta na Europa. A ideologia do consenso do bloco central é a base do défice democrático na União e do consequente afastamento dos cidadãos.

Construir a democracia ao nível da UE passa necessariamente por rebentar com este sistema sufocante e imoral de acordo que hoje governa a meias os destinos da União. Passa pela politização da questão europeia, pela clarificação dos projectos políticos, pela apresentação de candidaturas que perdem ou que ganham de acordo com a forma como os votos se expressam. O consenso oficial e o abafamento das diferenças é apanágio dos regimes anti-democráticos.

Durão Barroso é, obviamente, o candidato de Sócrates e dos seus socialistas da treta. Não é nem será o candidato da esquerda, nem daqueles que não metem o socialismo na gaveta.

G 19+1

Publicado em: O Gaiense, 22 de Novembro de 2008

No passado fim-de-semana, 19 líderes dos países mais ricos do mundo reuniram com o que resta do presidente dos EUA: um cadáver político sem autoridade democrática e muito menos autoridade moral para falar sobre esta crise. Mas que, ainda assim, conseguiu bloquear a decisão de se enveredar por uma maior coordenação global. E só não bloqueou uma mudança de rumo mais profunda porque, à volta da mesa, ninguém pareceu verdadeiramente interessado em propô-la.

Com os EUA e a UE acusando as maiores dificuldades, foram a China, o Japão e a Arábia Saudita que apareceram como os mais prováveis candidatos a ajudar nas situações mais graves. E a Índia fez ouvir a sua voz, sublinhando que as maiores vítimas desta crise serão os países emergentes, que menos contribuíram para as suas causas.

A reunião realizou-se no país que provocou a crise, tendo como anfitrião o seu maior responsável político e ideológico. O que já era, à partida, um sinal preocupante. Na opinião da generalidade dos comentadores, o resultado final só não foi decepcionante porque era mais do que previsível. Reafirmou-se a fé nos princípios do mercado e da concorrência, na liberdade de comércio e investimento. E afirmou-se que é preciso evitar o excesso de regulação, que poderia contrair os fluxos de capitais. Como se diz por cá: o mais cego é o que não quer ver.

Marcaram um segundo encontro para 30 de Abril, dessa vez já como G20 e não como G19+1. Veremos então como avaliam os resultados das parcas medidas agora tomadas.

A libertação dos legumes

Publicado em: O Gaiense, 15 de Novembro de 2008

A Comissária europeia Mariann Fischer Boel anunciou esta semana “o início de uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas” que, juntamente com outras frutas e legumes de boa qualidade, mas com uma forma considerada menos correcta pela paranóia normalizadora de Bruxelas, estavam excluídos do mercado e agora vão poder ser de novo vendidos. É uma boa notícia para as alcachofras, cebolas e todos os seus parceiros de infortúnio. É também uma boa notícia para agricultores e consumidores.

Mas isto vem sobretudo lembrar aos europeus o ridículo em que se transformou uma União essencialmente voltada para a construção do mercado de bens, serviços e capitais. Uma UE que vota solenemente em sessão plenária do seu Parlamento a dimensão dos espelhos rectrovisores dos tractores agrícolas, mas que é incapaz de se pronunciar sobre os salários mínimos ou as pensões ou de fixá-los numa percentagem do salário médio de cada país com o mesmo à vontade com que fixou o diâmetro dos pepinos das nossas saladas.

Pior ainda: quando, por exemplo, um Estado alemão obrigou as empresas que destacam trabalhadores para o seu território a pagarem o salário mínimo, veio a UE dizer que essa uniformização é ilegal porque viola as regras da livre concorrência e afecta a competitividade das empresas que pagam salários abaixo dos mínimos.

Há de facto dois caminhos bem diferentes para a UE: ou se mantém como um regulador económico voltado para o funcionamento do mercado interno e a competitividade ou então optamos por uma Europa de fortes políticas sociais e redistributivas.

Para já, é a primeira que está a ganhar. Mas o jogo ainda nem sequer chegou ao intervalo.

La "refundación capitalista" y los nuevos desafíos de la izquierda

Publicado en:
http://www.kaosenlared.net/noticia/refundacion-capitalista-nuevos-desafios-izquierda
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=75321


Traducción: Insurrectasypunto

¿La crisis actual, y sobre todo las medidas propuestas por los gobiernos para su superación, van a llevar a un verdadero cambio de fase en el sistema capitalista?¿O las anunciadas medidas para la «refundación del capitalismo» son sobre todo medidas provisorias, acompañadas de mucha retórica y demagogia, cambiando lo que sea necesario para que, en lo esencial, todo quede igual?

La verdad es que todavía no lo sabemos. No parece posible dar hoy una respuesta debidamente fundamentada a esta pregunta dilemática. Pero, no por eso, la respuesta deja de ser de capital importancia para nosotros.

Después de Bretton Woods y de la fase keynesiana de la post guerra, que alteró el capitalismo en la forma como había sido vivido hasta entonces y lo adaptó a las nuevas condiciones históricas de aquella época; después de este modelo haber sido, a su vez, lenta y definitivamente enterrado y substituido por el modelo neoliberal, impulsado desde el tiempo de Reagan y de Thatcher y que se fue volviendo dominante hasta nuestros días, ¿será que estamos hoy a asistiendo en vivo al inicio de una nueva fase y de un nuevo modelo de capitalismo que va a sustituir al modelo neoliberal, en Europa y a nivel global?

Todavía no lo sabemos. Como tampoco sabemos exactamente como podrá ser esa eventual nueva configuración del capitalismo post 2008. No lo sabemos nosotros, ni lo saben aquellos que lo proyectan y protagonizan. Porque la eventualidad de un nuevo Bretton Woods y la refundación del sistema con nuevas bases es un proyecto en plena creación, aún en fase de definición de sus líneas generales. Fase que se caracteriza necesariamente por una gran incertidumbre, pero también por una gran dinámica; Sus contornos ciertamente obtendrán mayor nitidez a corto plazo.

Es verdad que no tenemos datos sólidos y consistentes para sustentar la tesis de que estamos delante de un verdadero cambio de fase. Pero, a pesar de no constituir todavía una tesis plenamente defendible, parece haber ya señales suficientes para que tengamos que considerarla como una hipo-tese, una hipótesis plausible.

Si se verificase esta hipótesis, las consecuencias serán de gran envergadura para todo el movimiento crítico. Porque nuestros instrumentos teóricos y políticos de crítica y combate al neoliberalismo no serán adecuados a la crítica y combate a la nueva forma que el capitalismo asumirá. Si entramos en nueva fase armados apenas con la tradicional argumentación anti-neoliberal, vamos con certeza a equivocarnos.

Tenemos de aceptar que va seguramente a haber un desfase entre la elaboración de nuestra respuesta y la eventual aparición de nuevas fórmulas del sistema capitalista. Este desfase es inevitable, porque la crítica tiene siempre que construirse después de que el objeto a criticar esté mínimamente definido y consolidado.

Pero el peligro que tenemos que evitar es que este desfase sea excesivo, y que las nuevas respuestas tarden de tal manera que, en los grandes embates políticos y electorales europeos e nacionales que vamos vivir en el 2009, y que definirán el panorama político para los próximos años, las poblaciones sean confrontadas con propuestas innovadoras (por lo menos aparentemente) de las fuerzas de la «refundación capitalista», y con viejas críticas del campo anticapitalista, dirigidas sobre todo al modelo de la fase anterior. Eso crearía un quiebre de la comunicación en el debate político, que seria desfavorable a quien pareciera, delante de la opinión pública, como estando en una fase atrasada al momento de transición histórica que estamos por atravesar.

O novo espírito do capitalismo?

Publicado em: Opinião / Esquerda.net em 10 de Novembro de 2008

Na passada sexta-feira (7 de Novembro de 2008) Luc Boltanski veio ao Porto, à Fundação de Serralves, fazer uma palestra integrada no ciclo de conferências internacionais intitulado “Crítica do Contemporâneo”.

Neste tempo em que, dia após dia, vamos assistindo ao evoluir de uma nova e profunda crise do capitalismo, a comunicação de Boltanski, um analista perspicaz e profundo do sistema capitalista e das suas transformações históricas, não podia deixar de gerar o maior interesse.

Hoje o debate está ao rubro por toda a Europa, e é bom saber que o Porto não é excepção. Nessa sexta-feira estava eu de regresso de uma série de intensas reuniões na Polónia; numa daquelas longas esperas de aeroporto, entre um e outro voo, folheei um semanário alemão – Die Zeit. Na capa, para além do inevitável Obama, chamou-me a atenção uma foto do Jürgen Habermas com o título “É o fim do neoliberalismo” que anunciava uma conversa com o filósofo. Esta conversa ocupava toda a primeira e segunda página de um dos cadernos, onde se lia o destaque: “Depois da bancarrota. A ilusão das privatizações chegou ao fim. Não é o mercado, mas a política que tem que realizar o bem comum. Uma conversa sobre a necessidade de uma ordem internacional.”

Noutro dos cadernos do mesmo Die Zeit, as quatro primeiras páginas eram dedicadas a John Maynard Keynes, apresentado como “O salvador do capitalismo”. Como subtítulos: “Nas crises a ‘mão invisível’ não se mexe” e “o capitalismo é um sistema vigoroso mas muito frágil”.

E assim sucessivamente, página a página, a crise ia-se dissecando entre críticos e apologistas do sistema. Mas o tema não se ficava pelos textos, infiltra-se também no espaço da publicidade. Num anúncio a cores, a toda a largura da página, um simpático sexagenário de barba grisalha, vestido de padre, era a vedeta de um anúncio de uma editora. Anunciava o novo livro deste homem de deus, Reinhard Marx, intitulado Das Kapital. Não podia ser mais sugestivo. Sob o slogan “A especulação selvagem é pecado” dizia-se que o autor critica os responsáveis pela crise financeira. Na capa do livro, uma faixa vaticina que “Um capitalismo sem humanidade, sem solidariedade e sem justiça, não tem moral e não tem nenhum futuro”. Como contraponto a este anúncio, um outro de outro livro intitulado “Ousar mais capitalismo. Notas sobre uma sociedade justa”. Refiro esta concreta edição de um jornal alemão apenas para ilustrar a intensidade dos debates que percorrem a Europa.

Foi com este aquecimento neuronal que aterrei no Porto decidido a não perder a conferência do Boltanski. O seu livro magistral – Le Nouvel Esprit du Capitalisme (ainda não editado em português) -–, publicado há quase uma década em colaboração com Eve Chiapello, tinha sido um momento marcante da crítica às novas formas que o capitalismo assumiu a partir dos anos 70. Os autores tentavam, com esta obra, ajudar a colmatar um défice cuja constatação a seu ver se impunha nos anos 90: a de que a verdadeira crise não era a crise do capitalismo, mas sim a crise da crítica ao capitalismo.

Esta crise da crítica devia-se ao facto de os críticos e os movimentos que estes inspiravam estarem em atraso face às novas realidades económicas e sociais; mantinham discursos, análises e acções que se tinham revelado frutuosos na fase anterior, nas três décadas depois da guerra, mas que agora se revelavam impotentes porque não correspondiam às novas formas que o capitalismo tinha assumido na sua nova fase. A crítica antiga não era já eficaz face aos novos modos de organização do trabalho e das empresas, que abandonavam o pesado modelo fordista de hierarquia para assumir a leveza das redes, com equipas reduzidas geridas por objectivos e por projectos, instáveis, flexíveis e inseguras, avaliadas permanentemente pela sua suposta criatividade, autonomia e rentabilidade.

Dizia Boltanski, em 1999, que o novo capitalismo tinha conseguido integrar, em seu proveito, muitos aspectos da crítica que tinha sido dirigida pelos seus oponentes contra as formas anteriores de exploração e opressão. O neoliberalismo, ao superar a forma anterior do capitalismo, teria conseguido simultaneamente superar a sua crítica, integrando parte dela e tornando a restante obsoleta porque desfocada da realidade. A obra de Boltanski e Chiapello visava portanto o relançamento da crítica e do movimento de resistência em novas bases, para poder recuperar a eficácia de combate às novas formas que o capitalismo tinha assumido.

Porque assistimos hoje a uma nova viragem no capitalismo, esta era, pois, uma conferência a não perder. Até porque, mais uma vez, e como Boltanski e Chiapello tinham analisado na viragem anterior, o segundo “novo espírito do capitalismo” está a integrar uma série de argumentos dos críticos do neoliberalismo. Fá-lo, é certo, em proveito dos mesmos objectivos de sempre: a acumulação de riqueza nas mãos da mesma classe. Mas todos já nos espantámos (e indignámos) ao ver muitos dos argumentos com que durante anos combatemos o neoliberalismo serem hoje usados nos discursos dos dirigentes que tentam iniciar um novo ciclo capitalista como resposta a esta crise que eles próprios provocaram.

O conteúdo do livro de Boltanski corre o risco de ficar obsoleto a curto prazo com a vertigem das transformações do sistema que foi o seu objecto de análise. Mas, pelo contrário, ganham hoje uma acutilante actualidade e importância o método e as conclusões que deixou sobre o tipo de adaptação que o capitalismo é capaz de fazer em épocas de crise e de mudança, e sobretudo os alertas que trouxe sobre os problemas causados pelo atraso do movimento crítico em reconhecer a profundidade dessas mudanças e em redefinir a sua estratégia em conformidade.

Era esse contributo original para os novos debates de 2008 que eu tinha esperança de ouvir em Serralves. Mas, em vez disso, o que tivemos foi apenas um bom resumo de uma obra com dez anos de vida. Uma obra que foi inovadora e fundamental, mas que em 1999 tinha já vinte anos de atraso em relação ao objecto estudado. Talvez ainda seja demasiado cedo para aplicarmos o método Boltanski à análise do novo “novo espírito do capitalismo”; mas uma coisa ele e Chiapello nos mostraram: que o atraso da crítica foi fatal para o movimento dos trabalhadores, facilitou a exploração e tornou a recuperação da força da classe uma tarefa mais difícil. É um erro que não podemos repetir.

Cai o último do bando dos quatro

Publicado em: O Gaiense, 8 de Novembro de 2008

A emocionante vitória de Obama veio tornar mais evidente a profunda derrota de George Bush. Uma das boas notícias desta campanha era a de que, qualquer que fosse o resultado, Bush iria embora. E iria embora derrotado. Não só porque abandona o cargo com as sondagens a revelarem uma popularidade em queda livre entre os norte-americanos, aproximando-se muito da impopularidade já consolidada na Europa e no Mundo, mas também porque nesta campanha, mesmo o candidato do seu partido evitou qualquer aproximação ao presidente, por considerar que o seu apoio só teria o efeito de lhe retirar votos. Um presidente visto como um pária a evitar nas eleições do seu próprio país...
Essa derrota do bushismo estava à vista de todos, mas a expressiva vitória de Obama, mesmo em Estados tradicionalmente republicanos, veio dar-lhe uma expressão esmagadora.

Cai finalmente o último elemento do bando dos quatro que fez a cimeira dos Açores. Ao assistir, ao longo da noite eleitoral, ao evoluir das contagens, lembrei-me de um polémico cartaz que foi afixado em Portugal após a derrota de Aznar em Espanha, com a foto dos quatro que fizeram a cimeira da guerra (Bush, Blair, Barroso e Aznar), com Aznar a cinzento esvaído. O título era: “Eles mentem, eles perdem”. Zapatero retirou as tropas do Iraque, Barroso, por interposto sucessor, foi derrotado por Sócrates que não tinha apoiado a declaração de guerra, Blair foi substituído por Brown no momento em que a sua popularidade bateu no fundo, sobretudo devido ao papel do Reino Unido na guerra, agora foi a vez de Bush.

A profecia está cumprida, podem reeditar o cartaz com os quatro a cinzento e com uma ligeira alteração no título: “Eles mentem, eles perderam”.

O fim de uma era?

Publicado em: O Gaiense, 1 de Novemro de 2008

Nesta crise, que a história vai registar com destaque, vive-se um sentimento de fim de uma era. Não será ainda o fim do capitalismo (infelizmente, para as suas vítimas; felizmente, para os que dele obtêm proveito), mas pode muito bem ser o fim de uma fase.
Depois da grande depressão que se seguiu ao crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 e da guerra mundial que lhe sucedeu, a Europa viveu um período trinta anos – conhecidos como os trinta gloriosos – de 1945 até à crise do petróleo, nos anos do nosso 25 de Abril. Este período foi marcado pelo keynesianismo e pelos acordos de Bretton Woods, pelos investimentos públicos e pela regulação dos mercados de trabalho, pela construção da protecção social – o chamado modelo social europeu.
Desde meados de 70 até à grande crise financeira mundial de 2007-2009, a Europa viveu outro período de trinta anos, marcado pelo chamado Consenso de Washington, pela financiarização da economia e a liberalização dos mercados, pela retracção da intervenção do Estado e a privatização dos serviços e empresas públicas, pelo desmantelamento das regras do contrato social, das relações laborais e da protecção social. A palavra-chave para estas transformações era: “competitividade”. Foi um período que ficou conhecido como neoliberalismo, e que resultou numa acentuada acumulação de riqueza num sector reduzido da sociedade, espalhando dificuldades e incertezas por todos os demais.
Agora, estamos outra vez num momento de viragem. De incerteza, mas também de abertura e de oportunidades. Quão actual está hoje aquela derradeira frase de Pessoa: "I know not what tomorrow will bring...".