Com votos do PSE e da direita, aprovada a Directiva Bolkestein

Publicado em: Global, Novembro de 2006
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O Parlamento Europeu aprovou a chamada directiva Bolkestein que permite trabalhadores imigrantes ganharem o salário do país de origem, em vez da remuneração que ganham todos os trabalhadores nacionais do país de destino. Significa que um trabalhador português pode ser obrigado a trabalhar na Alemanha por um salário quatro vezes menor ao de um trabalhador alemão. Esta aprovação foi feita com os votos dos socialistas e da direita. A esquerda e os verdes propuseram ainda um conjunto de alterações pontuais que iam no sentido de proteger os direitos de quem trabalha. As alterações foram rejeitadas pelos signatários do compromisso. Mas o grupo socialista partiu-se: grande parte dos eurodeputados franceses, italianos e gregos do grupo do Partido Socialista Europeu votaram essas emendas com a ala esquerda do PE. O mesmo não aconteceu com os eurodeputados socialistas portugueses que votaram a favor desta medida.
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Estrasburgo, 15 Nov. 2006 - No momento em que escrevo estas linhas, acaba de ser votada no Parlamento Europeu a Directiva sobre Serviços no Mercado Interno, que ficou conhecida como directiva Bolkestein. Trata-se de uma votação em segunda leitura, após uma série de alterações ao texto inicial ter sido introduzida pelo PE na primeira leitura (ver artigo anterior "Directiva Bolkestein: uma questão central da luta de classes em curso na Europa"). Os grandes grupos políticos (PPE e PSE), que tinham feito um mau acordo aquando da primeira leitura, capitulam agora face ao seu próprio compromisso anterior, sob pressão do comissário Charles McCreevy, herdeiro, na Comissão Barroso, do pelouro do Mercado Interno, de que Fritz Bolkestein era responsável na anterior Comissão Prodi. McCreevy ameaçou que não aceitaria nenhuma alteração do Parlamento face à recente posição comum proposta pelo Conselho, “tão difícil de conseguir”, segundo afirmou. PPE e PSE poderiam e deveriam ter reagido a esta chantagem, defendendo as prerrogativas do Parlamento, que pode aprovar as posições que entender. No caso de não coincidirem com a posição comum do Conselho, obrigariam a directiva a entrar numa terceira fase de negociações, a chamada conciliação. Com esta capitulação, o processo legislativo termina aqui e a terceira fase é anulada. Jogo viciado na segunda parte, não há prolongamento. Esta posição comum poderia ter sido vetada à nascença por qualquer dos governos; sobretudo, poder-se-ia alimentar a esperança de que esse veto fosse introduzido por algum dos governos em que participam forças de esquerda. Lamentavelmente, os governos estiveram todos de acordo, todos do lado errado nesta luta. É precisamente essa unanimidade que hoje dá força ao herdeiro de Bolkestein. A posição comum do Conselho (que é, desde hoje, também a do Parlamento), atacando eventuais medidas com que os Estados Membros possam querer proteger os seus serviços sociais ou os direitos dos trabalhadores, atribui um peso exagerado ao poder da Comissão e às “interpretações” que vierem a ser feitas pelo Tribunal de Justiça no que respeita ao controle de quaisquer novas disposições legislativas, regulamentares e administrativas que os Estados Membros adoptem neste campo. A ideia de subordinar à legislação comunitária todas as disposições dos Estados Membros nesta matéria, embora se aplique a todos, tem um alvo preferencial: as práticas laborais dos países nórdicos, onde as taxas de sindicalização são muito elevadas e o forte poder negocial dos sindicatos tem construído um conjunto de relações laborais que produz uma redistribuição de rendimentos mais equitativa do que noutros países menos desenvolvidos, que passarão agora, na prática, a ser o novo padrão de referência europeu. É demasiado incómodo para a propaganda neoliberal que os países onde o leque salarial é mais pequeno, onde a riqueza está menos concentrada, e onde os serviços públicos e a protecção social pesam mais nas contas públicas, sejam precisamente os países mais ricos e desenvolvidos do mundo, segundo todos os índices publicados. A desregulamentação, os cortes nas despesas sociais e nos investimentos e serviços do Estado, as baixas taxas de sindicalização, a concentração da riqueza, a diferenciação exagerada de rendimentos, e o aumento da precariedade laboral e social devem ser encarados como factores de empobrecimento geral da população e obstáculos ao desenvolvimento. Não são as condições indispensáveis para o progresso económico e a modernização, são, isso sim, as marcas do subdesenvolvimento. Marcas demasiado fortes no nosso país.

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